Aprender
Música na infância, sim ou não? "Na verdade, a
maioria dos pedagogos musicais defende que a
música vale por si mesma e que é um erro tentar
utilizá-la como meio para atingir outros fins",
lembra Maria Helena Vieira, do Instituto de
Estudos da Criança (IEC) da Universidade do
Minho. O assunto tem merecido atenção de
diversos quadrantes. "As vantagens de aprender
Música (as verdadeiras vantagens, e não as
acessórias) estão todas relacionadas com a
experiência que a Música proporciona a cada um.
Tocar, cantar, conhecer repertório, participar
em grupos musicais, corais ou instrumentais,
aceder a um repositório cultural vastíssimo e
poder mesmo criar, musicalmente: eis as inúmeras
vantagens da aprendizagem musical", afirma.
"Desenvolver a memória, a persistência, o
raciocínio lógico e outros aspectos cognitivos
são apenas ‘side-effects' da verdadeira
experiência musical, e não suficientemente
importantes para justificarem a presença da
disciplina no currículo escolar", acrescenta.
"Para Gordon, todos os cuidados que os pais têm
no ensino da linguagem materna deveriam existir
também com a linguagem musical. O problema é
que, para isto, os pais precisariam, eles
próprios, de ter recebido formação escolar
adequada. E isso não acontece." "Quando a Música
é vista num sentido utilitário, como meio para
atingir outros fins, isso é feito de uma forma
subtil e manifestando, até, grandes preocupações
educativas". Maria Helena Vieira concretiza: "A
música é apresentada (na própria legislação)
como fator de 'desenvolvimento estético', de
'equilíbrio psicológico' e até moral, etc.
Difundiu-se a ideia de que a Música 'tem muito a
ver com a Matemática' (o que a torna
aparentemente 'útil' para essa disciplina, na
qual o insucesso escolar é tão grande), que
'desenvolve a memória' e a 'persistência', etc.
Ora, como há um conjunto variado de disciplinas
que poderão contribuir para esses fins, a Música
passa a surgir como uma opção dispensável ou
alternável com outras (a educação visual, a
educação dramática, etc.)".
Há pedagogos que defendem
que, para ser completa, a aprendizagem musical
tem de envolver a audição, a interpretação e a
criatividade. "A maioria dos portugueses não se
torna escritor; no entanto, todos
recebem formação adequada e suficiente para se
poderem exprimir em português, de diversas
maneiras e em diversos graus. É dessa
criatividade que falam os pedagogos musicais, e
é essa que pretendem que se desenvolva nas
escolas: a capacidade de ouvir uma obra musical
e reconhecer as suas características, as suas
partes, a sua forma, o seu estilo, as suas
influências; a capacidade de interpretar, vocal
ou instrumentalmente, géneros musicais da sua
preferência, de tocar ou cantar em grupo; a
capacidade de inventar melodias ou canções, de
improvisar em grupo." "No contexto da
aprendizagem musical, a memória desenvolve-se
através das atividades fundamentais indicadas
pelos pedagogos: há uma memória auditiva (que
funciona na base da identificação de repetições,
contrastes, fenómenos tecnicamente designados
por 'aumentação', 'diminuição', 'retrogressão',
etc.), uma memória afectiva (muito relacionada
com os aspectos expressivos e dinâmicos da
Música), uma memória táctil (sobretudo nos
instrumentistas), uma memória visual (associada
à leitura da notação)."
Absolutamente
recomendável. Paula Pires de Matos, pediatra do
Desenvolvimento e com formação académica na área
musical, defende que a aprendizagem "da arte
musical e da arte visual é absolutamente crucial
para a formação de uma pessoa como um todo". E
lamenta que em Portugal, ao contrário de outros
países, não exista essa cultura. "Ao nível da
primária, a Música é uma actividade de
enriquecimento (termo muito bem designado)
curricular mas fica de fora do programa. No 5.º
e 6.º anos, faz parte do currículo, mas o que se
ensina é muito básico. E a Música é uma
linguagem mais fácil de aprender do que ler uma
língua alfabética."
António Ribeiro, professor de Educação Musical e
um dos fundadores da única banda filarmónica
juvenil da escola pública portuguesa, que surgiu
na EB 2,3 de São João da Madeira, fala da sua
experiência de 30 anos de ensino e do que lê nos
livros. "Os alunos de Música adquirem valências
extraordinárias que os ajudam amplamente para o
resto das suas vidas. Nas aulas de Música, há um
permanente apelo à sensibilidade, bem como ao
correcto desenvolvimento de todas as
potencialidades individuais, através da
aprendizagem de um instrumento musical, da
interpretação de diversas obras e da própria
audição", sublinha. Vantagens, portanto, que se
reflectem no pensamento e na imaginação.
Porém, um estudo publicado no mês
passado foi o primeiro a mostrar que ter aulas
de música na infância pode levar a mudanças no
cérebro que persistem anos após a interrupção
das aulas.
Pesquisadores da Universidade
Northwestern gravaram as respostas auditivas do
tronco encefálico de estudantes universitários –
isto é, as suas ondas elétricas cerebrais – em
reação a sons complexos. O grupo de estudantes
que relatou ter tido uma formação musical
durante a infância apresentou respostas mais
robustas – o seu cérebro conseguiu identificar
elementos essenciais, como afinação, nos sons
complexos quando eles foram submetidos aos
testes. E o mesmo ocorreu inclusive quando os
estudantes haviam parado de estudar música há
anos.
De fato, os cientistas estão desvendando
as conexões entre a formação musical na infância
e a aprendizagem baseada na linguagem – por
exemplo, a leitura. Aprender a tocar um
instrumento pode conferir alguns benefícios
inesperados, sugerem estudos recentes.
Não estou falando do "efeito Mozart", a
alegação de que ouvir música clássica pode
melhorar o desempenho das pessoas em testes.
Refiro-me, sim, a estudos sobre os efeitos de um
envolvimento ativo e da disciplina. Esse tipo de
formação musical melhora a capacidade cerebral
de discernimento entre os componentes do som – a
altura, o duração e o timbre.
"Para aprender a ler, é preciso ter boa
memória operacional, a capacidade de distinguir
os sons da fala, de fazer conexões entre sons e
significados", disse a professora Nina Kraus,
diretora do Laboratório de Neurociência Auditiva
da Universidade Northwestern. "Cada uma dessas
coisas parece realmente ser reforçada pelo
envolvimento ativo com um instrumento musical."
A habilidade de apreciar as qualidades
sutis do som, mesmo em meio a um fundo confuso e
barulhento, revela-se importante não só para a
criança aprender a compreender a fala e a
linguagem escrita, mas também para uma pessoa
idosa que sofre de perda auditiva.
Em uma pesquisa realizada com pessoas
que continuam a tocar instrumentos, publicada
neste trimestre, pesquisadores descobriram que,
à medida que os músicos envelhecem, eles
vivenciam o mesmo declínio na audição periférica
– o funcionamento dos nervos auditivos –
vivenciado pelos não músicos. No entanto, os
músicos mais velhos preservam as funções
cerebrais, as habilidades de processamento
auditivo central que podem ajudá-los a
compreender uma fala no contexto de um ambiente
barulhento.
"Nós muitas vezes nos referimos ao
problema do 'fenômeno da festa de coquetel' –
imagine ir a um restaurante onde um monte de
pessoas fala ao mesmo tempo", disse Claude
Alain, diretor assistente do Instituto de
Pesquisa Rotman, em Toronto, e um dos autores do
estudo. "Os adultos mais velhos que tiveram
aulas de música têm melhor desempenho na
compreensão de falas em testes de ruído – eles
usam mais o cérebro, não o sistema auditivo
periférico."
Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, têm abordado a ambientação sonora de um ponto de vista diferente, estudando a genética do 'ouvido absoluto' –- a capacidade ideal de identificar qualquer tom. Jane Gitschier, professora de medicina e pediatria que coordena a pesquisa, tem tentado.
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Aulas de música na infância valem para a vida toda, dizem cientistas
Estudo mostra que crianças que aprendizado pode levar a mudanças no cérebro que persistem anos após a interrupção das classes The New York Times | 23/09/2012 Uma lição para sempre: ondas cerebrais registram formação musical feita na infância Quando as crianças aprendem a tocar um instrumento musical, elas reforçam uma série de habilidades auditivas. Estudos recentes sugerem que esses benefícios se estendem por toda a vida, pelo menos para aqueles que continuam envolvidos com música. Porém, um estudo publicado no mês passado foi o primeiro a mostrar que ter aulas de música na infância pode levar a mudanças no cérebro que persistem anos após a interrupção das aulas. Pesquisadores da Universidade Northwestern gravaram as respostas auditivas do tronco encefálico de estudantes universitários – isto é, as suas ondas elétricas cerebrais – em reação a sons complexos. O grupo de estudantes que relatou ter tido uma formação musical durante a infância apresentou respostas mais robustas – o seu cérebro conseguiu identificar elementos essenciais, como afinação, nos sons complexos quando eles foram submetidos aos testes. E o mesmo ocorreu inclusive quando os estudantes haviam parado de estudar música há anos. De fato, os cientistas estão desvendando as conexões entre a formação musical na infância e a aprendizagem baseada na linguagem – por exemplo, a leitura. Aprender a tocar um instrumento pode conferir alguns benefícios inesperados, sugerem estudos recentes. Não estou falando do "efeito Mozart", a alegação de que ouvir música clássica pode melhorar o desempenho das pessoas em testes. Refiro-me, sim, a estudos sobre os efeitos de um envolvimento ativo e da disciplina. Esse tipo de formação musical melhora a capacidade cerebral de discernimento entre os componentes do som – a altura, o duração e o timbre. "Para aprender a ler, é preciso ter boa memória operacional, a capacidade de distinguir os sons da fala, de fazer conexões entre sons e significados", disse a professora Nina Kraus, diretora do Laboratório de Neurociência Auditiva da Universidade Northwestern. "Cada uma dessas coisas parece realmente ser reforçada pelo envolvimento ativo com um instrumento musical." A habilidade de apreciar as qualidades sutis do som, mesmo em meio a um fundo confuso e barulhento, revela-se importante não só para a criança aprender a compreender a fala e a linguagem escrita, mas também para uma pessoa idosa que sofre de perda auditiva. Em uma pesquisa realizada com pessoas que continuam a tocar instrumentos, publicada neste trimestre, pesquisadores descobriram que, à medida que os músicos envelhecem, eles vivenciam o mesmo declínio na audição periférica – o funcionamento dos nervos auditivos – vivenciado pelos não músicos. No entanto, os músicos mais velhos preservam as funções cerebrais, as habilidades de processamento auditivo central que podem ajudá-los a compreender uma fala no contexto de um ambiente barulhento. "Nós muitas vezes nos referimos ao problema do 'fenômeno da festa de coquetel' – imagine ir a um restaurante onde um monte de pessoas fala ao mesmo tempo", disse Claude Alain, diretor assistente do Instituto de Pesquisa Rotman, em Toronto, e um dos autores do estudo. "Os adultos mais velhos que tiveram aulas de música têm melhor desempenho na compreensão de falas em testes de ruído – eles usam mais o cérebro, não o sistema auditivo periférico." Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, têm abordado a ambientação sonora de um ponto de vista diferente, estudando a genética do 'ouvido absoluto' –- a capacidade ideal de identificar qualquer tom. Jane Gitschier, professora de medicina e pediatria que coordena a pesquisa, tem tentado.
Aulas de música na infância valem para a vida toda, dizem cientistas
(Estudo mostra que crianças que aprendizado pode levar a mudanças no cérebro que persistem anos após a interrupção das classes) (The New York Times | 23/09/2012 )
Uma lição para sempre: ondas cerebrais registram formação musical feita na infância Quando as crianças aprendem a tocar um instrumento musical, elas reforçam uma série de habilidades auditivas. Estudos recentes sugerem que esses benefícios se estendem por toda a vida, pelo menos para aqueles que continuam envolvidos com música. Porém, um estudo publicado no mês passado foi o primeiro a mostrar que ter aulas de música na infância pode levar a mudanças no cérebro que persistem anos após a interrupção das aulas. Pesquisadores da Universidade Northwestern gravaram as respostas auditivas do tronco encefálico de estudantes universitários – isto é, as suas ondas elétricas cerebrais – em reação a sons complexos. O grupo de estudantes que relatou ter tido uma formação musical durante a infância apresentou respostas mais robustas – o seu cérebro conseguiu identificar elementos essenciais, como afinação, nos sons complexos quando eles foram submetidos aos testes. E o mesmo ocorreu inclusive quando os estudantes haviam parado de estudar música há anos. De fato, os cientistas estão desvendando as conexões entre a formação musical na infância e a aprendizagem baseada na linguagem – por exemplo, a leitura. Aprender a tocar um instrumento pode conferir alguns benefícios inesperados, sugerem estudos recentes. Não estou falando do "efeito Mozart", a alegação de que ouvir música clássica pode melhorar o desempenho das pessoas em testes. Refiro-me, sim, a estudos sobre os efeitos de um envolvimento ativo e da disciplina. Esse tipo de formação musical melhora a capacidade cerebral de discernimento entre os componentes do som – a altura, o duração e o timbre. "Para aprender a ler, é preciso ter boa memória operacional, a capacidade de distinguir os sons da fala, de fazer conexões entre sons e significados", disse a professora Nina Kraus, diretora do Laboratório de Neurociência Auditiva da Universidade Northwestern. "Cada uma dessas coisas parece realmente ser reforçada pelo envolvimento ativo com um instrumento musical." A habilidade de apreciar as qualidades sutis do som, mesmo em meio a um fundo confuso e barulhento, revela-se importante não só para a criança aprender a compreender a fala e a linguagem escrita, mas também para uma pessoa idosa que sofre de perda auditiva. Em uma pesquisa realizada com pessoas que continuam a tocar instrumentos, publicada neste trimestre, pesquisadores descobriram que, à medida que os músicos envelhecem, eles vivenciam o mesmo declínio na audição periférica – o funcionamento dos nervos auditivos – vivenciado pelos não músicos. No entanto, os músicos mais velhos preservam as funções cerebrais, as habilidades de processamento auditivo central que podem ajudá-los a compreender uma fala no contexto de um ambiente barulhento. "Nós muitas vezes nos referimos ao problema do 'fenômeno da festa de coquetel' – imagine ir a um restaurante onde um monte de pessoas fala ao mesmo tempo", disse Claude Alain, diretor assistente do Instituto de Pesquisa Rotman, em Toronto, e um dos autores do estudo. "Os adultos mais velhos que tiveram aulas de música têm melhor desempenho na compreensão de falas em testes de ruído – eles usam mais o cérebro, não o sistema auditivo periférico." Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, têm abordado a ambientação sonora de um ponto de vista diferente, estudando a genética do 'ouvido absoluto' –- a capacidade ideal de identificar qualquer tom. Jane Gitschier, professora de medicina e pediatria que coordena a pesquisa, tem tentado. |
Manel Grilo